O GATO CIENTISTA
A história de Chester, o gato de Jack Hetherington, é um exemplo curioso e bem-humorado dos dilemas e peculiaridades da autoria científica. Em 1975, Hetherington, um físico teórico, submeteu um artigo científico em que usava o pronome “nós” no texto, embora fosse o único autor. Ao ser alertado de que a formatação exigia pluralidade no caso de “nós”, ele encontrou uma solução criativa: em vez de reescrever o trabalho no singular, Hetherington listou seu gato Chester como coautor sob o pseudônimo “F.D.C. Willard” (uma combinação de Felis Domesticus Chester e o nome do pai de Chester, Willard).
O artigo foi publicado sem problemas e o “coautor” passou despercebido, até que um colega de Hetherington revelou o segredo. A história logo ganhou publicidade, e Chester, além de virar uma celebridade, foi até “convidado” pela universidade para uma posição simbólica de professor. A American Physical Society mais tarde ironizou a situação, anunciando que todos os artigos científicos de autoria de gatos seriam de acesso aberto — e isso, claro, foi revelado no Dia da Mentira!
Esse caso de autoria honorária, ainda que feito de forma humorística, reflete uma questão mais ampla na ciência. Muitos pesquisadores, como o ganhador do Nobel Andre Geim (que listou um hamster como coautor), já incluíram animais de estimação ou colegas sem contribuição direta em artigos, levantando a questão da ética na atribuição de autoria. Autores honorários são, em algumas situações, listados para ajudar no currículo acadêmico, aumentar as chances de financiamento ou obter empregos, mas essa prática é cada vez mais questionada. Um estudo de 2020 revelou que mais da metade dos cientistas já testemunhou essa inflação de autoria.
Com o avanço da IA, o debate sobre quem (ou o quê) deve ser reconhecido como autor se intensificou. Ferramentas como o ChatGPT já foram citadas como coautoras em alguns artigos, mas a resposta da comunidade científica tem sido rígida. Diversos periódicos proíbem o uso de conteúdo gerado por IA em submissões científicas, preocupados com a preservação da integridade da autoria. Assim, o caso de Chester, embora incomum, simboliza um debate contínuo sobre o que significa ser um autor e como garantir que os créditos sejam dados de forma justa e responsável.