UMA PINTURA QUE CRIA CONTROVÉRSIAS
Há um episódio envolvendo a obra de Sir Gerald Kelly ilustra de forma vívida as mudanças nas percepções culturais e morais ao longo das décadas. Em 1947, uma nudez retratada na pintura foi objeto de escândalo e diversas críticas, especialmente por seu impacto na “dignidade feminina”, segundo o bispo Dorian Herbert. A opinião da igreja refletia uma moralidade pós-guerra, em que o corpo feminino era muitas vezes idealizado, e qualquer imagem que desafiasse essa idealização era vista como vulgar ou
A polêmica, porém, também contribuiu para o fascínio do público pela pintura. As palavras de exceções do bispo, longe de afastar as pessoas, geraram curiosidade. Para o público, a obra não era apenas uma imagem; ela havia se tornado um símbolo de desafio à autoridade moral e religiosa. O fato de que a exposição atraiu mais de 20 mil visitantes.
Quando a pintura foi exibida novamente em 2008, a nudez já não carregava o mesmo peso de transgressão. Durante o século XX, especialmente nas décadas de 1960 e 1970, uma revolução sexual e os movimentos feministas redefiniram o modo como o corpo feminino e a sexualidade foram representados e percebidos. Assim, a questão da nudez e da “dignidade” feminina, que causou a revolta em 1947, tornou-se trivial para o público moderno.
Curiosamente, o que causou desconforto na exibição de 2008 foi o fato de a mulher estar fumando. Esse detalhe, que havia passado despercebido ou parecia irrelevante em 1947, agora destoava das normas culturais contemporâneas, quando a saúde pública se voltava contra o tabagismo e o fumo era amplamente desencorajado e até vilanizado.
O escândalo em torno da imagem evoluiu assim de uma questão de moralidade sexual para uma preocupação com saúde e bem-estar. O cigarro nas mãos da mulher não parecia mais uma expressão de sensualidade ou confiança, mas algo associado a um comportamento socialmente reprovável. Isso reflete como os valores da sociedade mudaram: o tabu da nudez perdeu sua força, enquanto a crítica ao tabagismo aumentou, marcando uma nova forma de vigilância social sobre a vida humana.