O ANAQUISMO E O COMUNISMO
Na Revolução Russa, os anarquistas tiveram um papel significativo tanto na derrubada do czarismo quanto na organização de formas autônomas de poder popular, mas foram posteriormente reprimidos violentamente pelo regime bolchevique. O processo é emblemático da tensão histórica entre anarquismo e marxismo autoritário.
Antes de 1917, anarquistas russos como Piotr Kropotkin e Mikhail Bakunin influenciaram gerações de militantes. O movimento anarquista teve participação ativa em revoltas, sindicatos, cooperativas e atos terroristas contra o regime czarista (como o grupo Narodnaya Volya). Com a Revolução de 1905, aumentou sua influência entre camponeses e operários, mas a repressão do Estado czarista limitou sua ação.
Na revolução de fevereiro de 1917 os anarquistas participaram ativamente na derrubada do czar e se engajaram na construção de conselhos de trabalhadores (sovietes) e milícias populares. Propunham uma revolução sem tomada do poder central: autogestão, abolição do Estado, coletivização voluntária.
Na revolução de outubro 1917, muitos anarquistas inicialmente apoiaram os bolcheviques, acreditando que a tomada do poder facilitaria uma transição ao socialismo libertário. No entanto, já em 1918 começaram os conflitos diretos com o Partido Bolchevique, que centralizava o poder e reprimia qualquer dissidência.
Em Petrogrado e Moscou, os anarquistas foram expulsos dos sovietes quando os bolcheviques assumiram controle total. Em abril de 1918, a Cheka (polícia política) atacou sedes anarquistas em Moscou. Mais de 40 foram mortos ou presos. Essa ação marca o início da repressão sistemática.
O anarquismo teve forte influência entre os camponeses da Ucrânia e outras regiões, que resistiam à militarização forçada e à requisição de alimentos. A mais importante dessas experiências foi a Makhnovshchina, liderada por Nestor Makhno, anarquista ucraniano camponês. Foi um movimento de guerrilha e autogestão que controlou vastas regiões do sul da Ucrânia durante a Guerra Civil. Organizou comunas livres, conselhos populares e milícias voluntárias (o Exército Insurgente da Ucrânia). Lutou contra os exércitos branco (monarquista), vermelho (bolchevique) e estrangeiros (alemães e austro-húngaros).
Inicialmente era aliado tático dos bolcheviques contra os brancos. Após a derrota do Exército Branco, os bolcheviques romperam o acordo e atacaram militarmente Makhno. A experiência foi destruída em 1921. Makhno fugiu para o exílio.
A rebelião dos marinheiros de Kronstadt em 1921, muitos com simpatias anarquistas e socialistas dissidentes, foi a última grande tentativa de restaurar os ideais de 1917. Exigiam “sovietes livres”, fim da repressão política, liberdade de expressão para os socialistas revolucionários e anarquistas. Lênin e Trotsky ordenaram a repressão total. Milhares foram mortos ou presos.
O destino dos anarquistas na Revolução Russa pode ser resumido como: De protagonistas da revolução a vítimas do autoritarismo bolchevique. A repressão sistemática aos anarquistas demonstra que o regime leninista consolidou um modelo de socialismo de estado, incompatível com a ideia anarquista de autogestão e abolição do poder centralizado. A repressão aos anarquistas não foi um desvio acidental, mas uma consequência lógica da concepção autoritária do poder adotada pelos bolcheviques.
As referências são Emma Goldman, Alexander Berkman, Volin e Paul Avrich.
Tanto na Revolução Chinesa quanto na Revolução Cubana, os anarquistas inicialmente participaram dos movimentos de transformação social, mas foram posteriormente marginalizados, reprimidos ou eliminados pelos grupos comunistas autoritários que assumiram o poder.
Na virada do século XX, o anarquismo teve grande influência na China, especialmente entre estudantes, operários e exilados. Inspirados por Kropotkin, Bakunin e também pelo anarquismo japonês, os anarquistas chineses foram pioneiros na organização operária, na crítica ao confucionismo e no anticolonialismo.
Os anarquistas participaram ativamente da Revolução Xinhai (1911) que derrubou a dinastia Qing, mas logo foram ofuscados por outras forças nacionalistas e autoritárias. Durante as décadas de 1910 e 1920, grupos anarquistas estavam entre os primeiros a organizar sindicatos e greves na China urbana. No entanto, com a ascensão do Partido Comunista Chinês (PCC), os anarquistas passaram a ser vistos como rivais ideológicos.
A partir da década de 1920, o PCC e o Kuomintang (nacionalistas) passaram a reprimir o movimento anarquista. Após a vitória comunista em 1949, Mao Tsé-Tung estabeleceu um regime de partido único, e os anarquistas foram perseguidos, presos, mortos ou silenciados. O anarquismo passou a ser considerado uma ideologia “pequeno-burguesa”, incompatível com a linha marxista-leninista do regime.
O anarquismo cubano remonta ao século XIX, influenciado por exilados espanhóis e pelo sindicalismo revolucionário. Tinha base sólida entre trabalhadores do tabaco e do açúcar, com forte presença na Confederação Nacional Operária de Cuba (CNOC). Muitos anarquistas inicialmente apoiaram a luta contra a ditadura de Fulgencio Batista, inclusive colaborando com o Movimento 26 de Julho de Fidel Castro. Havia esperança de que a revolução levasse à autogestão e à libertação popular.
Após a tomada do poder em 1959, o governo de Castro rapidamente consolidou uma estrutura centralizada e autoritária baseada no modelo soviético. A Federação Libertária Cubana (FLC), principal organização anarquista da época, passou a criticar o autoritarismo do novo regime. Resultado: prisões, exílio forçado, desaparecimentos. Vários anarquistas fugiram para os EUA, México ou foram silenciados internamente. O governo cubano reprimiu não apenas opositores de direita, mas também grupos de esquerda autônoma, como os anarquistas e trotskistas.
Em ambas as revoluções, o anarquismo foi um aliado tático dos movimentos revolucionários, mas acabou eliminado quando esses movimentos se consolidaram em estados autoritários. O padrão reflete uma constante histórica: movimentos marxista-leninistas tendem a reprimir qualquer forma de socialismo não autoritário, especialmente o anarquismo, por sua crítica radical ao poder estatal.
Historicamente, os anarquistas foram vítimas de uma esquerda que traiu seus próprios princípios em nome do poder.